terça-feira, 17 de maio de 2016

Infanticídio - O que é? Suas causas e consequências.

Popularmente usado para se referir ao assassinato de crianças indesejadas, o termo infanticídio nos remete a um problema tão antigo quanto a humanidade, registrado em todo o mundo através da história.

A violência contra as crianças é uma marca triste da sociedade brasileira, registrada em todas as camadas sociais e em todas as regiões do país. No caso das crianças indígenas, o agravante é que elas não podem contar com a mesma proteção com que contam as outras crianças, pois a cultura é colocada acima da vida e suas vozes são abafadas pelo manto da crença em culturas imutáveis e estáticas.

A cada ano, centenas de crianças indígenas são enterradas vivas, sufocadas com folhas, envenenadas ou abandonadas para morrer na floresta. Mães dedicadas são muitas vezes forçadas pela tradição cultural a desistir de suas crianças. Algumas preferem o suicídio a isso. 

Muitas são as razões que levam essas crianças à morte. Portadores de deficiência física ou mental são mortas, bem como gêmeos, crianças nascidas de relações extra-conjugais, ou consideradas portadoras de má-sorte para a comunidade. Em algumas comunidades, a mãe pode matar um recém-nascido, caso ainda esteja amamentando outro, ou se o sexo do bebê não for o esperado. Para os mehinaco (Xingu) o nascimento de gêmeos ou crianças anômalas indica promiscuidade da mulher durante a gestação. Ela é punida e os filhos, enterrados vivos.

É importante ressaltar que não são apenas recém-nascidos as vítimas de infanticídio. Há registros de crianças de 3, 4, 11 e até 15 anos mortas pelas mais diversas causas. 

Em certas comunidades, aumentam os casos entre mães mais jovens. Falta de informação, falta de acesso às políticas públicas de educação e de saúde, associadas à absoluta falta de esperança no futuro, perpetuam essa prática.

“As crianças indígenas fazem parte dos grupos mais vulneráveis e marginalizados do mundo, por isso é urgente agir a nível mundial para proteger sua sobrevivência e direitos (...)”

Relatório do Centro de Investigação da UNICEF, em Florença, Madrid, fevereiro de 2004


Para o Direito brasileiro, infanticídio não é a morte de uma criança qualquer, e, além disso, é necessária a análise de cada elemento formador do tipo penal descrito no artigo 123 do Código Penal:

“Matar, sob a influência do estado puerperal , o próprio filho, durante o parto ou logo após.”

Este crime que hoje na legislação brasileira é punido, ainda que na forma de um “homicídio privilegiado”, em outras civilizações já foi banalizado e sua prática justificada pelos mais variados motivos que não o atual, elementar do tipo, estado puerperal. Já se aplicou a pena do infanticídio para os casos de ocultação de desonra da mãe e até mesmo pelo caso desta ter sofrido abandono material ou moral.

Ambas as concepções anteriores não são mais admitidas em face da evolução sócio-cultural, onde as mulheres ganharam direitos/condições iguais aos homens, a exemplo dessa consagração é a Constituição Federal de 1988. Logo, no ordenamento jurídico brasileiro, isoladas essas circunstâncias não configuram o infanticídio e sim homicídio doloso.

Da redação do artigo 123 do Código Penal não resta dúvida que o sujeito passivo tem que ser sempre o próprio filho nascente ou neonato, mas é em torno do sujeito ativo que surge a discussão doutrinária a respeito da possibilidade ou não do concurso de pessoas neste crime, ou seja, se o terceiro pode ser co-autor ou participe no infanticídio ou se responderia por homicídio doloso.

Tal discussão faz sentido do ponto de vista secundário, ou seja, da pena a ser fixada. Sendo que pelo infanticídio este terceiro teria uma pena base entre o mínimo de 2 (dois) anos podendo chegar até o máximo de 6 (seis) anos e no caso de responder por homicídio doloso a pena cominada estaria entre o mínimo da forma simples 6 (seis) anos até o máximo da forma qualificada de 30 (trinta) anos.

Estes posicionamentos divergentes na doutrina se dão pela leitura do artigo 29 e 30 do Código Penal:

Artigo 29: “Quem de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas, na medida de sua culpabilidade”.

Artigo 30: “Não se comunicam as circunstâncias e as condições de caráter pessoal, salvo quando elementares do crime”.

A primeira corrente doutrinária a qual se filiavam: Nélson Hungria (tendo em vista que este adotava a incomunicabilidade, mas que voltara atrás na ultima edição de sua obra), Roberto Lyra, Olavo Oliveira, Magalhães Noronha, José Frederico Marques, Basileu Garcia, Euclides Custódio da Silveira e Bento Faria, Celso Delmanto, defende a comunicabilidade, ou seja, o co-autor ou particípe que junto com a mãe, de alguma forma, participa da execução do crime deve responder por infanticídio, assim como a mãe. Hoje este posicionamento é majoritário e defendido pelos seguintes doutrinadores: Paulo José da Costa Júnior, Luiz Regis Prado, Rogério Greco, Cézar Roberto Bittencourt, Julio Fabbrini Mirabete, e Damásio Evangelista de Jesus, Fernando Capez e Guilherme de Souza Nucci.

Estes se apoiam no argumento que se a lei não faz distinção entre condição pessoal e personalíssima, não cabe a ninguém fazê-la. Logo, fosse o delito de infanticídio previsto simplesmente como um parágrafo do art.121 do Código Penal, deveria ser reconhecido como modalidade de homicídio privilegiado e, consequentemente, seus dados deixariam de ser elementos do crime e passariam a ser circunstâncias, deixando, a partir de então, de acordo com a regra já apontada no art. 30 do mesmo diploma legal, de se comunicar aos co-participantes.

Não tendo sido essa a opção do legislador, ainda que por erro, não há o que se discutir, todos aqueles que juntamente com a parturiente praticarem os atos de execução tendentes a produção do resultado, se conhecerem o fato de que aquela atua influenciada pelo estado puerperal, deverão ser beneficiados com o reconhecimento do infanticídio.

Damásio e Mirabete ainda endossam esta orientação citando a Conferência dos Desembargadores, no Rio, em 1943, na qual foi adotada a comunicabilidade das condições pessoais quando elementares do crime, a não ser que a lei disponha expressamente em contrário.

Contrário a esta corrente nos ensinam os doutrinadores: Galdino Siqueira, Heleno Cláudio Fragoso, Salgado Martins e Aníbal Bruno, A. Mayrink da Costa, lembrando que Nélson Hungria foi adepto desta durante quarenta anos.

Posicionamento este que sustenta que o infanticídio é um crime próprio, onde somente a mãe pode ser sujeito ativo, isto porque estar influenciada pelo estado puerperal constitui condição personalíssima, tendo em vista que o crime só é reconhecível quando a mãe estiver sob influencia do estado puerperal durante a prática do crime, caso contrário nem mesmo ela responderia por infanticídio.

Vale lembrar que a perturbação gerada por este estado puerperal é tão importante para a figura típica que este tem de ser provado mediante perícia, visto que toda elementar do tipo deve ser provada. E que este tal estado mesmo que a medicina legal diga que vai de seis a oito semanas, varia de organismo para organismo e isto nos remete novamente à figura da mãe que sofre tal perturbação.

Fragoso diz ser inadmissível o concurso de pessoas no crime de infanticídio, argumentando que “o privilégio se funda numa diminuição de imputabilidade, que não é possível estender aos participes. Na hipótese de co-autoria, parece-nos evidente que o crime deste será o de homicídio”.

Além dessas duas principais correntes acerca do concurso de pessoas existe uma terceira também chamada mista, que observa a conduta principal. Esta preconiza a punição por homicídio se o agente pratica ato executório consumativo, e por infanticídio se apenas é particípe.

Entendo que o partícipe e o co-autor deveriam responder pelo crime de homicídio, segundo o disposto pela segunda corrente doutrinária, antes apoiada por Nélson Hungria, por se tratar da maneira mais justa, tendo em vista que o estado puerperal é uma condição personalíssima da parturiente, sendo impossível que tal condição se comunique com outra pessoa que não a própria mãe.

Porém, infelizmente, por força do artigo 30 do Código Penal brasileiro, legalmente o estado puerperal de fato se comunica com o partícipe e o co-autor, por ser uma elementar do crime, ou seja, trata-se de uma das condições para que se caracterize o crime, uma espécie de requisito essencial daquele tipo penal, que somente mediante texto expresso pode ser derrogado. 

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