No julgamento do HC 81611, dia 10/12/2003, o Supremo
Tribunal Federal fixou finalmente a sua jurisprudência no sentido de que
não pode o Ministério Público promover a ação penal, nos crimes
tributários, antes do julgamento definitivo dos processos na via
administrativa.
O assunto é extremamente polêmico e na Corte Maior rendeu
divergências, tanto que a decisão não foi unânime. Restaram vencidos a
ministra Ellen Gracie e os ministros Joaquim Barbosa e Carlos Brito.
Importante, porém, e que a final prevaleceu a tese que evita seja a ação
penal utilizada como instrumento de coação contra o contribuinte, com o
objetivo de impedir que o mesmo conteste, pelas vias legais, a cobrança
de tributo indevido.
Esse aspecto foi destacado pelo Ministro Nelson Jobim, como
se vê da notícia do julgamento divulgada pela Internet. Sua excelência
observou que no processo administrativo fiscal o contribuinte exerce o seu
direito ao contraditório e à ampla defesa, na Constituição assegurado, e a
instauração de ação penal antes de concluído esse processo administrativo
consubstancia uma ameaça ao contribuinte.
É de incontestável consistência esse argumento do ministro
Jobim. Quem conhece o comportamento do Ministério Público que em
muitos casos atua como verdadeiro cobrador de impostos, sabe muito bem que a ameaça de ação penal pode levar o contribuinte a pagar o
tributo mesmo quando seja este flagrantemente indevido.E isto
evidentemente não é compatível com o Estado democrático de Direito, no
qual deve ser assegurado a todos o direito de não pagar tributos
indevidos.
O Ministro Sepúlveda Pertence, relator do caso, já se havia
manifestado no sentido da tese que a final prevaleceu. Profundo
conhecedor do Direito Penal, sustentou a falta de justa causa para a ação
penal, antes do lançamento definitivo, por se tratar de um crime de
resultado. E na verdade a ação penal, antes do lançamento definitivo,
pode conduzir a uma situação, verdadeiramente absurda, na qual o
Estado juiz pune alguém por supressão ou redução de tributo e o mesmo
Estado, como Administração Tributária, diz que nenhum tributo lhe era
devido.
Duas palavras, porém, devem ser ditas em relação à tese
adotada pelos votos vencidos. A ministra Ellen Gracie, com o apoio dos
ministros Joaquim Barbosa e Carlos Brito, sustentou que aguardar o
julgamento administrativo poderia levar à impunidade em face da
prescrição. Essa tese, data vênia, é inconsistente porque o Estado tem
meios para evitar a demora no julgamento do processo administrativo, e
não se justifica de nenhum modo que a pretexto de evitar a prescrição
seja amesquinhado o direito fundamental do contribuinte de defender-se
contra a exigência de tributo indevido.
Ressalte-se finalmente que o Ministro Joaquim Barbosa,
mesmo tendo a final aderido à tese da ministra Ellen Gracie, afirmou “a
necessidade de tratamento harmônico da matéria nas esferas
administrativa, penal e civil.” Pois “a desarmonia entre elas poderia
acarretar a indesejável coincidência da condenação penal seguida do
reconhecimento da inexistência do débito fiscal na esfera administrativa.”
Essa possibilidade é bem mais preocupante do que a de
ocorrência de prescrição, que aliás pode ser contornada pelo próprio STF,
com a tese sustentada por alguns de seus ministros, de que a prescrição
não corre enquanto pendente de julgamento o processo administrativo
fiscal.
A questão essencial na verdade consiste em saber se é
juridicamente válido o uso da ação penal como instrumento de coação
para obrigar o contribuinte a pagar tributos sem direito de questionar a
legalidade destes. E o Supremo Tribunal Federal merece aplausos da
comunidade jurídica pela resposta a ela oferecida, com a qual contribui
positivamente para a construção, no Brasil, de um Estado Democrático de
Direito.
HUGO DE BRITO MACHADO Advogado, Professor Titular de Direito Tributário da Universidade Federal do Ceará e Desembargador Federal do Tribunal Regional Federal da 5.ª Região (Aposentado)
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